Cinema e Filme: modelos e história da comunicação

Tiago Gaspar
10 min readApr 11, 2021

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Stanley Kubrick

O Cinema é, cada vez mais, um fortíssimo instrumento na difusão da cultura, educação e propaganda. É uma reflexão da sociedade, seja no presente ou no passado. É uma arte que combina milhões de imagens e revolucionou o mundo da comunicação e do entretenimento.

A comunicação consiste no ato da partilha de informação. Neste sentido, considera-se o Filme como um instrumento de comunicação pela capacidade de expor ideias, pensamentos, mensagens e ideologias a partir de um determinado canal. Este canal é o Cinema, e é de importância extrema no mundo da comunicação, isto pela sua capacidade de comunicar simultaneamente com ricos e pobres, com adultos e crianças, com urbanos e rurais e com alfabetizados e analfabetos.

O instrumento principal da comunicação é a linguagem. O filme comunica bastante através da fala, das histórias e das personagens, mas também através de aspetos técnicos, tais como a cinematografia, os efeitos visuais, a cor, a iluminação, a edição, a música e o som. Neste sentido, podemos afirmar que o Cinema tem a sua própria linguagem.

Primeiros Anos, 1830–1910

Em 1877, Thomas Edison inventa o fonógrafo, que tinha como propósito a gravação e reprodução de sons. Edison, com a intenção de alargar as funcionalidades do fonógrafo, pede ao seu assistente, Dickson, que crie uma máquina que permita trabalhar imagens. Nesta sequência, surge o cinetoscópio, que gravava e projetava imagem até aos 40 frames por segundo.

Edison nunca chegou a patentear o seu produto fora dos Estados Unidos da América, e como resultado, em 1895, os irmãos Lumière criam o cinematógrafo, que tinha as mesmas funções que o produto de Edison, mas enquanto o cinetoscópio pesava cerca que 500kg, o cinematógrafo pesava apenas cerca de 10kg.

Em termos de comunicação entre o filme e o público, apesar de ser completamente revolucionário em pleno século XIX poder assistir a projeção de um filme que por vezes até continha música e efeitos musicais, não há realmente algo concreto até ao início do século XX, que é quando surgem as primeiras curtas metragens como a famosa A Trip to The Moon (1902) e The Great Train Robbery (1903). É neste contexto que surgem Méliès e Porter, responsáveis por retirar os irmãos Lumière do trono.

The Great Train Robbery, 1903

Méliès utilizava a técnica de stop-motion photography para criar uma cena contínua que se prolongasse por mais de 1 minuto. Esta técnica consiste em parar a gravação e retirar ou adicionar algo para dar a impressão de movimento. A sua curta metragem A Trip to The Moon era bastante baseada na fantasia, em contraste com The Great Train Robbery de Porter, que é reconhecido como o primeiro filme com uma narrativa e com tanta continuidade de ação, pois foi construído com cerca de 14 cenas, cada uma com cerca de 1 minuto.

Filmes sem som, 1910–1927

O crescimento do cinema na América começou-se a consolidar no início do século, alguns anos antes de a primeira guerra mundial começar. Começaram a surgir vários estúdios, quase todos implantados em Hollyhood, e em 1916 existiam mais de 21,000 cinemas nos Estados Unidos da América.

Já na Europa, antes da primeira Guerra, o cinema era dominado pela França e pela Itália. Os filmes produzidos na época apostavam muito na necessidade de motivar e promover felicidade aos trabalhadores e não se preocupavam em criar uma narrativa sofisticada.

D.W.Griffith é quem se destaca nesta época pré-guerra, pois numa altura onde a narrativa do filme era uma combinação de fatores económicos, tecnológicos e sociais, a de Griffith era uma expressão pessoal. Isto foi revolucionário na época, pois pela primeira vez um filme consegue transmitir à audiência algo que só tinha sido feito através de pinturas e textos. Outro dos fatores é a qualidade do filme, numa época onde filmes de 10 minutos até 1 hora eram os mais comuns, filmes de Griffith como The Birth Of a Nation (1915) e Intolerance (1916) chegavam às 3 horas e 30 minutos. Considerado por muitos “o homem que inventou Hollyhood”, foi o primeiro realizador a entender que desde que um filme fosse bem realizado tecnicamente e com um tema sério, poderia criar um grande impacto na audiência, mesmo sem a utilização de palavras escritas na tela ou diálogo humano.

The Birth Of A Nation, 1915

Após a primeira guerra mundial deu-se o crescimento do cinema na Europa, mesmo depois de praticamente não ter existido durante o período da guerra. Na Alemanha, a audiência era composta por praticamente todas as classes sociais, e há um problema, pois os filmes teriam que ser importados de outros países. Isto era preocupante para o regime alemão pois muitos desses filmes eram feitos com o propósito de eliminar a propaganda alemã. Neste sentido, a Universum Film Aktiengesellschaft (UFA), pertencente ao governo, tomou conta a produção, distribuição e exibição do filmes no país, tendo como principal objetivo aumentar a qualidade dos filmes alemães. O seu objetivo foi sucedido, pois após a derrota da Alemanha na guerra, o filmes Expressionistas entram no seu auge com The Cabinet of Dr. Cagliari (1919), de Robert Wiene, e Metropolis (1927) um dos melhores filmes sci-fi já produzidos e mais tarde já no cinema com som, M (1931), sendo que estes últimos são da autoria de Fritz Lang, uma figura emblemática no mundo do Cinema.

Metropolis, 1927

O cinema expressionista Alemão envoca uma atmosfera pesada e com com detalhes realistas nos cenários. Estes filmes tinham um desenlace lento e mexiam com a mente da audiência, isto devido aos vários ângulos da câmera que proporcionavam diferentes perspetivas à audiência. A evocação do mistério, das halucinações e do stress emocional eram características fundamentais na comunicação com a audiência. Em suma, podemos caracterizar este movimento como filmes surreais e com sombras pesadas que serviam para expressar a depressão presente na população causada pela guerra.

Pré-Segunda Guerra Mundial — A introdução do som e da cor

Com a inserção do som no cinema, a forma como o filme comunicava com a audiência mudou. Agora, as narrativas eram mais complexas, os guiões eram muito mais extensos e os atores passaram a ter que ser mais expressivos em papéis que envolviam, por exemplo, falar num determinado sotaque. Todos os géneros de filme ganham força (excepto o slapstick comedy) e nascem novos géneros, tal como o musical. O som aparece para dar mais emoção aos filmes, seja o sentimento de ansiedade num filme de terror, o sentimento de tristeza num filme de drama ou até o sentimento de felicidade num filme de comédia. A audiência agora sentia o filme de outra forma, pois qualquer som servia para causar mais emoção ou expressividade, fosse através da música de fundo ou simplesmente através de barulhos do quotidiano.

A inserção da cor no cinema dá-se ligeiramente depois do som, através de duas empresas, a Kinemacolor e a Technicolor. Tal como o som, a cor é mais uma forma que o filme tem de comunicar com a audiência. A palete de cores utilizada numa determinada cena ou simplesmente a cor de uma peça de roupa ou objeto num filme consegue transmitir diferentes emoções à audiência. O vermelho pode transmitir a ideia de paixão ou de violência, o verde pode representar a natureza ou algo sombrio, o azul pode representar passividade e melancolia, entre outros. Todas as cores, dependendo da cena, podem transmitir um diferente leque de emoções, desta forma, o filme passa a ter mais uma forma de se expressar.

Os anos da Guerra e o pós-Segunda Guerra Mundial

Durante a guerra, os estúdios em Hollyhood perdem alguma força mas trabalham em conjunto com o governo americano para criar uma campanha de documentários sobre o envolvimento americano na guerra e sobre os seus inimigos. Num documentário com sete partes, Why We Fight (1942–1944), Frank Capra explica logo no 1º documentário, Prelude to War (1942), o porquê de os americanos estarem naquela guerra e o porquê que os americanos deverem querer combater naquela guerra. No fundo, estes documentários são um método de propaganda que incentivam a população a combater pelo seu país e a querer acabar com o inimigo.

Why We Fight, 1942–1944

Após a guerra, os filmes produzidos nos Estados Unidos da América foram bastante influenciados pelo medo do comunismo. Numa altura em que comunistas eram perseguidos publicamente, Hollyhood não queria estar envolvida com estes. Neste sentido, trabalhadores, atores e produtores com afiliações comunistas eram despedidos ou afastados dos ecrãs, desta forma, todos os realizadores de cinema não ousavam fazer um filme que não fosse de cariz conservativo e evitavam mencionar ideas ou tópicos controversos.

Nesta época, ainda marcada por uma certa tensão política, deu-se prioridade à realização de filmes com temas clássicos que não fossem polémicos e fossem bem adaptados ao widescreen. Alfred Hitchcock realiza então filmes como Rear Window (1954), Vertigo (1958), North by Northwest (1959) e Psycho (1960), onde com a utilização de brilhantes técnicas de cinematografia, som e edição, conseguia manipular a realidade dos filmes e criar o melhor ambiente de suspense na audiência, ficando então conhecido como o Mestre do Suspanse.

Rear Window, 1954

Hitchcock consegue simultâneamente adaptar-se à transição para o widescreen e voltar a captar audiência pela qualidade em que têm em manipular a mente do público, permanecendo-se relevante até aos dias de hoje.

Cinema pós-Guerra na Europa

A Segunda Guerra Mundial devastou muitas indústrias do cinema. No entanto, a Itália, devido ao facto de ter desistido da Guerra relativamente cedo, resistiu e afirmou-se como líder nos filmes do pós-guerra, desenvolvendo o movimento Neo-Realista. Estes filmes tinham entre eles características semelhantes, tais como, o desastre causado pela guerra, a utilização de bairros pobres na filmagem, finais “tristes” e o mínimo de edição possível nas cenas, tornando-as longas.

Vittorio De Sica afirma-se como um dos mais influentes realizadores deste movimento em filmes como Ladri di Biciclette (1948) e Umberto D. (1952). O movimento Neo-Realista lança também a carreira de realizadores como Federico Fellini, que produz filmes como La Strada (1954), La Dolce Vita (1960) e Otto e Mezzo (1963). Os filmes de De Sica emanavam tristeza e tragicidade, enquanto Fellini era um visionário e utilizava bastante o sonho, a improvisação e a música como instrumento para dar mais profundidade a cada cena. Mais tarde, Bernardo Bertolucci mistura a sua ideogia e a história para realizar filmes como Il Conformista (1970), onde mostra a sua perspetiva sobre a influência que o fascismo tem sobre a população.

8 1/2, 1963

A transição para o século XXI e a expansão para a cultura dos media

As novas tecnologias e a cultura dos media fizeram parte da história dos filmes no final do século XX e no início do século XXI. A utilização da VHS e, mais tarde, do DVD, permitiu mais circulação dos filmes e a possibilidade de os assistir em casa. A qualidade da câmeras e do resto do equipamento melhorou. Os progressos nos efeitos especiais e na animação feita pelo computador (CGI) permitiu a criação de filmes como Jurassic Park (1993) ou The Matrix (1999).

Jurassic Park, 1993

O Computer-Generated Imagery (CGI) foi, sem dúvida, a inovação técnica mais importante para o cinema na transição para o século XXI. O CGI é a aplicação que cria basicamente todas as imagens artificiais que estão num determinado filme, jogo, série, entre outros. Isto foi revolucionador no mundo dos filmes de animação pois permitiu que eles passassem a ser todos desenvolvidos em computador em vez de todos os frames serem desenhados um a um. Foi também uma revolução no cinema de ficção ciêntifica e fantasia, pois qualquer personagem ou objeto que não seja real, pode fazer parte do filme e ser bastante realista, ao contrário de filmes mais antigos onde alguém simplesmente vestia um fato ou um aderesso.

O conceito de Cinema vai, progressivamente, mudando. Isto devido ao facto das novas empresas de streaming e ao declínio do cinema para a televisão.

O filme, em geral, já não tem as mesmas motivações políticas e sociais que outrora tiveram.

Neste sentido, é percetível a forma como os fatores tempo e espaço influenciam a forma como o realizador comunica com a sua audiência. O contexto cultural e social de um determinado país influência bastante o tema do filme, e a forma como este será encarado pelo realizador e pela audiência.

O cinema, embora seja conhecida como a sétima arte, muitos não a classificam como uma. No entanto, neste trabalho são expostas inúmeras formas de comunicação entre o filme e a audiência. Tudo o que era possível transmitir através da escrita e de pinturas, é também possível através do cinema, isto de diferentes perspetivas, obviamente.

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